Da fartura ao prato light.......Geografia da comida

| quarta-feira, 29 de junho de 2011 | 0 comentários |
O lema "coma, seu país precisa de você" marcou durante um século os hábitos alimentares da sociedade americana para fortalecer os homens que iriam à guerra, mas, diante da obesidade crônica que aflige a nação atualmente, o Governo dos Estados Unidos se vê obrigado a inverter essa filosofia.
Desde a conquista da independência no século XVIII, todos os governos tinham como meta influenciar os hábitos alimentares dos cidadãos, tal como narra a exposição What's Cooking, Uncle Sam? (O que se cozinha, Tio Sam?), que mostrará até 3 de janeiro do ano que vem a relação dos EUA com os alimentos nos Arquivos Nacionais de Washington.
A alimentação, hoje um dos temas favoritos dos americanos, foi durante o século XX mais do que uma tendência, tornou-se um assunto de segurança nacional.
Em um século marcado pelas atrocidades das grandes guerras, o Tio Sam não tinha tempo para avaliar calorias nem podia se dar o luxo de restringir a dieta de seus cidadãos. O que importava não era a qualidade da alimentação, mas a quantidade. Os americanos precisavam comer o máximo possível para serem os mais fortes no front de batalha.
A preocupação do Governo americano com a força dos potenciais soldados foi tamanha que as autoridades chegaram a lançar campanhas públicas para envolver inclusive as crianças nessa filosofia.
"Pequeno americano, faça a sua parte: coma milho, deixe o trigo para nossos soldados", dizia um cartaz de 1918, ano em que terminou a Primeira Guerra Mundial.
A alimentação, hoje objeto de preocupação dos mais de 72 milhões de obesos americanos sobre uma população de 300 milhões, já teve papéis muito diferentes ao longo da história do país, mas nunca deixou de ser tema de políticas públicas.
Antes da lei "Pure Food and Drugs Act" de 1906, os alimentos continham produtos químicos tão tóxicos que ingerir até uma inocente goma de mascar podia ser fatal, explica à Agência Efe a curadora da exposição, Alice Kamps.
Substâncias como sulfato de cobre, ácido bórico e alcatrão de carvão eram usados como conservantes antes da norma, que tornou ilegal a venda de produtos adulterados com materiais tóxicos.
Os padrões nutricionais também sofreram drásticas mudanças com o passar do tempo. Até a publicação da primeira guia de alimentação em 1894, acreditava-se que o importante era a quantidade que se ingeria, não o que se comia.
Mais tarde, essas guias nutricionais estabeleceriam alguns grupos (categorias) de alimentos a serem consumidos: 12 em 1930, 7 durante a Segunda Guerra Mundial, 4 em 1956 e, finalmente, 5 na chamada Pirâmide da Comida de 1992, eliminada recentemente pelo prato light do Governo Barack Obama, propagandeado pela primeira-dama Michelle Obama.
Há apenas 60 anos, no auge da Guerra Fria, a manteiga tinha seu próprio grupo alimentar nos EUA. O Governo da época - ao contrário do atual, em combate ao colesterol - recomendava a ingestão das calorias diárias em gorduras saturadas, em vez de frutas e verduras.
A exposição apresenta nítidas mudanças ao longo do último século. Se em 1945 o Tio Sam encorajava os americanos a comerem "o que quisessem", além dos sete grupos alimentares da época, hoje um convite como esse escandalizaria a primeira-dama Michelle Obama, a mais recente comprometida da Casa Branca com a alimentação saudável da população.
Em um país dividido entre os que defendem o papel do governo federal e os que desdenham da intromissão política em determinados assuntos, o debate alimentar não poderia escapar da polêmica nos Estados Unidos.
Por isso, enquanto Michelle Obama busca que as escolas do país substituam as batatas fritas pela salada, a política republicana Sarah Palin (ex-governadora do Alasca) distribui biscoitos em centros de caridade e insiste que as crianças comam aquilo que lhes dê prazer.
Os sucessivos presidentes americanos foram deixando sua marca nos refeitórios dos Estados Unidos, tanto que milhões de pessoas escreveram cartas à Casa Branca pedindo as receitas favoritas do chefe de Estado do momento.
Cada líder é associado a um tipo de comida: Lyndon Johnson surpreendeu a todos com seus churrascos, a família Kennedy popularizou a gastronomia francesa e o atual presidente, Barack Obama, deu fama a alguns estabelecimentos de fast-food de Washington.
E assim, 235 anos após a independência dos EUA, o Tio Sam continua acompanhando de perto os hábitos alimentares do povo e pretende manter sua influência sobre aquilo que os americanos comem. 
 
EFE